sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Jurisprudência T. Constitucional (autonomia local) 3

Acórdão n.º 432/93:

«... Na realização dessas tarefas constitucionais, o legislador, «selecciona determinantes autónomas» (Gomes Canotilho), que, no entanto, se encontram vinculadas à teleologia dos preceitos que concretizam e à própria unidade da Constituição.
Questão é saber se aquele poder de conformação exercido pelo legislador no cumprimento de imposições legiferantes (Lerche) não interfere aqui com as directivas materiais e o sistema de coerência das normas da Constituição. As determinantes autónomas do legislador no cumprimento daquelas tarefas «usurpam» espaços de autonomia do poder local?

1.2 - As autarquias locais concorrem, pela própria existência, para a organização democrática do Estado. Justificadas que são pelos valores da liberdade e da participação, as autarquias conformam um «âmbito de democracia» (Ruiz Miguel), num sistema que conta precisamente com o princípio básico de que toda a pessoa tem direito de participar na adopção das decisões colectivas que a afectam.

A Constituição define-as como «pessoas colectivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respectivas» (cf. Constituição da República Portuguesa, artigo 237.º). Não lhes traça um figurino de mera administração autónoma do Estado. Deixa claro o «sentido político que adquire o exercício das suas funções» (Jorge Miranda), que as autarquias «constituem também uma estrutura do poder político» (Gomes Canotilho e Vital Moreira). No programa constitucional (cf. Constituição da Republica Portuguesa, «Princípios fundamentais», artigo 6.º, e título VII, «Poder local»), as normas que organizam o poder autárquico assumem uma justificação eminentemente democrática.

O poder autárquico funda-se numa ideia de consideração e representação aproximada de interesse. Como explica Ruiz Miguel, na justificação democrática da autonomia não é só o factor geográfico que esta em causa. Trata-se também da razão política de fomentar as decisões susceptíveis de maior preferência e de maior controlabilidade pelos interessado.

Neste «espaço de participação» (Baptista Machado), o elemento ordenador é o conjunto dos interesses específicos das comunidades locais. Esses interesses justificam a autonomia e, porque a justificam, delimitam-lhe o conteúdo essencial. Eles entranham as razões de proximidade, responsabilidade e controlabilidade que proporcionam a auto-organização

O espaço incomprimível da autonomia e, pois, o dos assuntos próprios do círculo local, e «assuntos próprios do círculo local são apenas aquelas tarefas que têm a sua raíz na comunidade local e que por esta comunidade podem ser tratados de modo autónomo e com responsabilidade própria (und von dieser ortlichen Gemeinschaft eigenveverantwortlich und selbständig bewaltigt werden Können)»(Sentença do Tribunal Constitucional alemão n.º 15, de 30 de Julho de 1958, in Entscheidungen des Bundesverfassungsgerichts, 8.º vol., p. 134; cf., no mesmo sentido, parecer n.º 3/82 da Comissão Constitucional, in Pareceres da Comissão Constitucional, 18.º vol. p. 151).

1.3 - Isso não implica que as autarquias não possam ou não devam ser chamadas a uma actuação concorrente com a do Estado na realização daquelas tarefas. O «paradigma social do direito» (Habermas) aponta mesmo para uma política de cooperação e de intervenção de todas as instâncias com imediata possibilidade de realizarem as imposições constitucionais.

A determinação contida no artigo 65.º, n.º 4, demonstra precisamente a legitimidade dessa actuação concorrente das autarquias na realização de tarefas constitucionais. Mas aqui já não está presente aquela ideia de responsabilidade autónoma na gestão de um universo de interesses próprios que tem a ver com a essencialidade da autonomia.»

1 comentário:

Xavier Cortez disse...

Vide igualmente o Parecer nº 79/2004 do Conselho Consultivo da PGR em
http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf/7fc0bd52c6f5cd5a802568c0003fb410/05316e18300c27e480256ec5004c5490?OpenDocument
nomeadamente o seu ponto II