Acórdão TC nº 260/98:
«... A circunstância de haver um interesse público nacional em questão diferente do interesse na repressão da ilegalidade, não exclui, por si, que seja este último interesse o relevante. Há sempre um outro interesse, que é o fim da lei de cuja ilegalidade se trata, concomitante com o da repressão da ilegalidade, quando esta se realiza. E o interesse em assegurar o fornecimento de energia eléctrica, evitando a ruptura financeira da EDP, é um motivo de oportunidade que não afecta em nada o regime jurídico, uma vez que tanto o pagamento da dívida se pressupõe obrigatório, como a acção do Governo, ao reter as verbas, se torna obrigatória, verificados os trâmites anteriores previstos na lei. Se tal interesse fosse relevante, tratar-se-ia de uma tutela de mérito, em que o Governo assegurava a prevalência do interesse nacional sobre o interesse local do município que pudesse basear uma contestação judicial do pagamento, ou a simples preferência pela mora, eventualmente para possibilitar o pagamento imediato de outras dívidas. Mesmo entendendo que o controlo de legalidade pela administração central não contende com a ideia de descentralização administrativa, como defende Charles Eisenmann (Cours de Droit Administratif, I, 1982, p.269), há que admitir, como o faz o próprio Eisenmann, que a descentralização é "mais" favorecida por um sistema que exclua da competência da autoridade administrativa tutelar certas formas de controlo da legalidade. Ora, reconheçendo que os nºs 2 e 3 do actual artigo 242º implicam a existência de formas sancionatórias de tutela de legalidade, maxime a dissolução, que afectam genericamente, e não apenas quanto a actos determinados, a autonomia das autarquias locais, deve considerar-se que a tutela substitutiva de legalidade está afastada pelo nº 1 do mesmo artigo. A falta de pagamento, por parte de uma autarquia local, de uma dívida de um contrato com uma empresa pública não pode dar lugar a uma tutela substitutiva que antecipe cautelarmente o que a outra parte pode obter através dos tribunais. É, portanto, de seguir aquela doutrina que entende que a actual redacção do nº 1 do artigo 242º veio excluir a tutela substitutiva (assim, além de Gomes Canotilho e Vital Moreira, atrás citados, Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, 2ª ed., I, 1994, p. 706, António Cândido de Oliveira "Poderes de Intervenção do Estado em matéria de urbanismo - autonomia local - tutela"; Scientia Juridica, XLI, 1992, pp. 171 ss.) como já disse este Tribunal (Acórdão nº 379/76, Diário da República, II série, de 15.7.1996, p.9592).
Não há qualquer "lógica" de tutela inspectiva que obrigue o Estado-administração a intervir quando detecta uma ilegalidade. A tutela da legalidade também incumbe constitucionalmente a outros órgãos do Estado, especialmente aos tribunais (artigo 202º, nº 2 da Constituição). Na hipótese, a EDP tem interesse na reposição da legalidade e pode obtê-la através dos tribunais. A tutela da legalidade efectiva-se assim com mais independência e mais respeito pela autonomia autárquica do que pela tutela administrativa substitutiva.»
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